Se você é médico, cirurgião-dentista ou outro profissional da saúde certamente achará injusto ser processado, e é uma angústia e sofrimento até que tudo se resolva.
Mas você já parou para pensar se está seguindo alguns dos passos abaixo para ser processado? Será que você está atraindo possíveis problemas? Quer ser processado?
Se sim, talvez esteja correndo riscos desnecessários, e com isso abrindo a possibilidade para um processo.
Pode ser que você só esteja seguindo um dos passos e seja processado, ou alguns, mas se seguir todos, as suas chances aumentarão consideravelmente!
Confira abaixo os passos para ser processado:
1) Quer ser processado? Seja rude com o paciente;
Muitos processos podem ser evitados com um pouco de cordialidade, atenção e cuidado. Se o paciente o vê com desdém, mesmo que você utilize toda a sua capacidade técnica para o caso, se der algo errado, o paciente vai te culpar. Ao contrário, se for cordial e conversar com o paciente, ele terá mais chances de entender que você fez tudo ao seu alcance, e isso evita processos.
2) Quer ser processado? Não anote tudo em prontuário;
Muitos médicos, cirurgiões dentistas e até operadores do direito não gostam de ver o prontuário como um documento de defesa, mas na prática ele funciona assim…
Então deixá-lo em branco, rasurado, ilegível, ou até mesmo com informações dúbias é um grande risco que o médico e qualquer profissional de saúde assume, pois a primeira coisa que o advogado fará quando um cliente chega alegando erro médico/odontológico será solicitar o prontuário do paciente, e a partir disso, formular seu pedido judicial.
Se o advogado percebe que o prontuário está bem redigido, que não houve falhas, ele poderá informar ao cliente sobre o caso e até mesmo desistir de ingressar com uma ação. Portanto, não se esqueça de completar o prontuário da melhor maneira possível, pois isto pode ser o divisor de águas entre o ingresso de uma ação ou não, ou entre o sucesso de uma ação e o seu fracasso.
3) Quer ser processado? Não informe ao paciente sobre os riscos e benefícios de cirurgias, procedimentos e medicamentos;
Atualmente temos tido decisões judiciais que prezam pelo dever de informar do médico, cirurgião dentista e profissionais de saúde, ou seja, condenam o profissional a pagar uma indenização mesmo que não tenha havido “erro médico/odontológico”, mas que ele tenha falhado em prestar alguma informação importante, mesmo que possível de acontecer. Por exemplo, um médico que não informa ao paciente sobre um possível risco de cegueira em uma cirurgia, ou um cirurgião-dentista que não informa ao paciente sobre a possiblidade de um evento adverso, como perda de um dente.
Portanto, para evitar ser processado, e até mesmo condenado ao pagamento de indenização, o profissional deve informar ao paciente sobre os riscos e benefícios de cirurgias, procedimentos e medicamentos.
4) Quer ser processado? Evite o Termo de Consentimento Informado;
Dentro do que falamos no item 3, podemos entender porque é importante a elaboração de um Termo de Consentimento Informado.
Ele é a exteriorização das informações passadas ao paciente, comprovando de forma escrita, clara e efetiva que o paciente foi informado dos riscos, portanto, o profissional não pode responder por eles se não houve erro/culpa da sua parte.
Vale dizer que o Termo de Consentimento Informado deve ser entregue pelo profissional, e não pela sua secretária, pois o paciente tem que assinar sendo efetivamente informado, tirando as suas dúvidas com o profissional, e não sem a possibilidade real de esclarecimento.
Nestes casos a Justiça vem invalidando os termos firmados, pois a informação e o esclarecimento tem que ser efetivo, e não só formal.
5) Quer ser processado? Não formalize a relação através de contrato de prestação de serviços;
O contrato de prestação de serviços é mais uma maneira de evitar ser processado, e não fazê-lo pode atrair riscos aos médicos, cirurgiões-dentistas e profissionais de saúde.
Isso porque quando se formaliza contratualmente a relação, pode-se definir questões essenciais, como o objeto do contrato, ou seja, a discriminação pormenorizada do que o profissional se compromete, e aquilo que não está incluso no tratamento, a forma de pagamento, os direitos e obrigações das partes, dentre outros pontos essenciais.
Um contrato bem redigido também pode evitar inadimplência ou facilitar a cobrança judicial de valores.
Portanto, prevendo quais problemas podem surgir na relação, se está tudo escrito e acertado, a chance de dar errado é menor. É o que sempre dizemos: “o combinado não sai caro”.
6) Quer ser processado? Quebre o sigilo do paciente postando fotos dele ou de seus exames nas redes sociais sem a sua autorização;
As profissões da saúde em geral devem ter um absoluto respeito pelo sigilo, e isto está estabelecido não só nos Códigos de Ética respectivos, como também no próprio Código Penal, em seu artigo 154 que fala que é crime a violação do segredo profissional.
Hoje em dia temos nos deparado com a banalização do segredo profissional, onde muitos profissionais expõem os pacientes em suas redes sociais, sem a sua autorização, causando desconforto e dano.
Ressalte-se que mesmo um exame de imagem, um raio x, uma foto do pé do paciente em centro cirúrgico pode violar o dever de sigilo, e quando ocorre sem a autorização do paciente, mesmo que ele não seja identificado na foto, ele é identificável, ou seja, ele percebe que é ele na postagem e isso o desagrada, podendo gerar processo.
Assim, se você quer ser processado, quebre o sigilo do paciente, que além de consequências éticas, pode gerar processo civil e penal.
7) Quer ser processado? Atrase a consulta constantemente, e na hora do atendimento, seja rápido e nem olhe nos olhos do paciente ou o examine;
Assim como ser rude com o paciente, não examina-lo direito e criar um vínculo com o mesmo expõe o profissional a risco de ser processado.
Respeite o tempo do seu paciente, pois assim como você, ele também pode ser ocupado, e ainda está indo na consulta pois precisa do seu diagnóstico e tratamento. Portanto, seja empático, olhe nos olhos, peça desculpas pelo atraso, e tente ser pontual, pois todas estas dicas pode vir a evitar processos.
8) Quer ser processado? Desrespeite a autonomia do paciente, realizando um procedimento não autorizado por ele;
O paciente é um ser autônomo, que tem direito de saber de forma clara os procedimentos a que será submetido.
A falha na informação, concordância acerca do tratamento, pode sim gerar processo, e deve-se evitar realizar um procedimento não autorizado pelo paciente.
Sabemos que algumas situações são “cinzentas” e difíceis de avaliação, como por exemplo, em caso de risco de vida em urgência ou emergência, mas esta é a exceção, e neste caso o profissional deve agir para evitar a morte, documentando tudo muito bem, e conversando na medida do possível com o paciente e/ou seus familiares.
Em situações limítrofes sempre existirá um risco, mas o desrespeito à autonomia precisa ser pontual, excepcional e muito bem justificado, e não praxe na conduta do profissional.
9) Quer ser processado? Desrespeite o direito ao acompanhante em casos especiais;
Algumas leis especiais garantem o direito ao paciente de ter um acompanhante. É o caso, por exemplo, de gestantes, crianças e idosos.
Infelizmente, embora estas leis estejam em vigor a bastante tempo, o direito a acompanhante ainda é muito desrespeitado por falta de estrutura e conhecimento dos profissionais.
Saiba que não se pode negar o direito ao acompanhante por falta de estrutura no hospital/clínica, pois estes devem estar aptos a atender nestas condições, e a negativa pode vir a gerar processo sim, havendo decisões judiciais favoráveis a indenização nestes casos.
Ressalte-se que o direito ao acompanhante para a gestante não é só em casos de parto, mas também em casos de aborto, e mesmo em enfermarias com outras mulheres, pois o local deve disponibilizar biombos para privacidade e atendimento da Lei.
A Lei não determina que o acompanhante deva ser homem ou mulher, de modo que uma filha, por exemplo, pode ser acompanhante de um senhor idoso, e o marido da esposa grávida. Negar este direito é abrir risco para processo.
Portanto, se você quer ser processado, negue o direito a acompanhante.
10) Quer ser processado? Recuse-se a fornecer um relatório médico/odontológico ou a cópia do prontuário;
É direito do paciente o fornecimento de prontuário e relatórios sobre o seu estado de saúde. Você pode ler um pouco mais sobre isso nos nossos textos anteriores:
Prontuário Médico – Noções introdutórias
10 direitos do paciente que você precisa saber
Se você quer ser processado, negue este direito ao paciente e certamente verá a consequência. Ressalte-se que quando os familiares solicitam o prontuário a certas regras a serem seguidas, e nem sempre o profissional deve fornecer.
11) Quer ser processado? Cometa um erro médico/odontológico ou profissional.
A última “dica” se você quer ser processado é efetivamente cometer um chamado “erro médico, odontológico ou profissional”.
Vale dizer que o profissional de saúde não é infalível (ou qualquer outro profissional), e que erros podem ocorrer sim, mas a questão está mais em como lidamos com estes erros.
Tratar o paciente com honestidade, respeito, cuidado pode reduzir a chance de processo, mesmo diante de um erro. Portanto, esteja atento, introduza mecanismos de gerenciamento de riscos na sua atuação, e as chances de erro e processo estarão reduzidas também.
Sabemos que o texto ficou longo, e esperamos que se você chegou até aqui, que tenha gostado das nossas dicas e que entre em contato caso tenha mais alguma dúvida, ou sugestão de postagem.
Autoria: Isabela Moitinho de Aragão Bulcão; Revisão: Camila Beatriz Zeferino.
Advogado Especialista em Direito Médico, Odontológico e da Saúde.